Judiciário funciona como "casta", afirma Salomão Ximenes, pesquisador da UFABC. Ximenes participou nesta terça-feira (6), do 5º Seminário da Articulação Justiça e Direitos Humanos, em SP
Rafael Tatemoto Brasil de Fato | São Paulo (SP), 6 de Dezembro de 2016 às 16:47
O professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Salomão
Ximenes qualificou o Judiciário brasileiro como uma espécie de “casta”.
Ximenes participou nesta terça-feira (6), do segundo dia debates do 5º
Seminário Nacional da Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH), na
mesa que discutia os privilégios dos integrantes do sistema de Justiça.
Ximenes cita como exemplo o desrespeito corriqueiro por parte do Judiciário ao teto dos salários no setor público: “De 88 para cá, nós evidentemente retrocedemos. A própria Lei de Responsabilidade Social, com todas suas contradições, foi distorcida pelos Tribunais de Conta e pelo Judiciário”.
Para ele, um dos fatores determinantes nessa dinâmica é a maneira pela qual se entra nessas carreiras.
“A ideologia dominante da seleção para o serviço público, ainda que mediada pelas cotas, é o da meritocracia. É falso. O sistema de seleção mede o rendimento da família do candidato. Quem, depois de formado, dispõe de dois ou três anos para estudar, sem rendimento, aliás, pagando cursinho?”, questiona. “É chocante como o Judiciário e o Ministério Público são o outro lado da moeda da clientela usual da Justiça criminal. É o exemplo mais evidente de como um aparelho estatal foi tomado por uma determinada classe e raça”.
Exemplos
Também participante do debate, Mara Weber, servidora da Justiça do Trabalho, cita como privilégio dos juízes verbas recebidas para a educação dos filhos.
“E têm alguns que ainda reclamam do Bolsa Família, dizendo que pobre tem filho para ganhar o benefício. Mas para os juízes isso pode”, critica. Ela menciona também a punição que juízes recebem, inclusive em casos graves: aposentadoria em tempo integral.
Weber afirma que a realidade do Judiciário, entretanto, se divide entre os juízes e as condições dos servidores que, segundo ela, vivem situações cada vez mais precárias, que levam, muitas vezes, até mesmo ao suicídio: “Em São Paulo, três servidores tiraram a própria vida no local de trabalho".
Austeridade
Juliana Benício, advogada do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Estado de Minas Gerais, indica que, com as discussões hoje presentes no Brasil em torno de corte de investimentos, essa realidade tende a se intensificar.
“O orçamento é sempre uma disputa de poder”, diz ela, lembrando que parte do orçamento do Judiciário foi cortado em 2016, chegando a 40% na Justiça do Trabalho.
Nesse contexto, “uma das verbas que não foi cortada foi o auxílio moradia para os juízes. Para o Brasil inteiro, isso significou quase meio bilhão de reais. Isso foi retirado das verbas de custeio, voltados para gastos básicos”.
Ela ainda ressalta que “o auxílio-moradia está sendo pago, hoje, por conta de uma decisão liminar do ministro [do STF Luiz] Fux. Segundo a lei, deveria ser pago em casos excepcionais”.
“Caso a PEC 55 se consolide, o cenário será de manutenção dos privilégios”, concorda Ximenes.
Disparidade
Anderson Miranda, do Movimento Nacional da População em Situação em Rua, presente também na mesa de discussões, destacou a disparidade entre a situação de pessoas sem moradia e os juízes: “Eu queria que a população em situação de rua recebesse também auxílio moradia. Isso é vergonhoso para um país”.
Ele afirma ainda que a cultura presente no Judiciário viola o direito de acessar essas instituições. “Há situações vexatórias. Pessoa em situação de rua não tem calça e camisa, porque tomam nossos pertences. Aí, somos impedidos de entrar nos prédios, no Ministério Público, em fóruns. Não há acesso a Justiça, nesse sentido”, critica.
“Da forma como foi estruturado, esse sistema jamais atuará em favor dos interesses do povo”, concorda Salomão.
Quanto à possibilidade de mudanças, Weber entende que é necessária uma mobilização externa ao próprio sistema de Justiça. “Há uma leva de juízes do Trabalho que nunca andou de ônibus ou teve carteira assinada. Não tenho esperanças de mudanças por dentro”, justifica.
Edição: José Eduardo Bernardes
Reproduzido com autorização.
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